Revista Veja – Saúde Business
Os sites com informações sobre doenças e tratamentos estão mudando a relação entre médicos e pacientes
Diálogos como o que se segue ocorrem com freqüência cada vez maior nos consultórios médicos:
- Doutor, existe um novo remédio para o meu problema. Pelo que mostram os estudos clínicos, os efeitos colaterais são bem menores e ele é mais potente do que aquele que eu tomo. O senhor já ouviu falar a respeito?
O médico responde:
- Não, mas vou me inteirar. Por enquanto, vamos manter o tratamento em curso, está bem?
Há um novo paciente nas salas de consulta. Municiado de informações que recolhe na internet, principalmente, ele faz uma tonelada de perguntas sobre sua doença, arrisca sugerir remédios e exames e, no limite, até coloca em dúvida o tratamento prescrito pelo especialista. A título de comparação, é como se tivesse deixado de agir feito criança, quando aceitava resignado as decisões do seu médico, e começado a atuar como um adolescente questionador, cujas perguntas muitas vezes são embaraçosas para o profissional que está do outro lado do estetoscópio. É uma mudança e tanto na relação médico-paciente - e incancelável, visto que a internet se tornou um enorme consultório informal. Um levantamento da empresa de consultoria americana Pew Internet & American Life Project mostra que oito em cada dez usuários da rede já acessaram sites de informações médicas. No Brasil, calcula-se que mais de 10 milhões de internautas o façam com regularidade. As buscas por dados sobre doenças específicas são as mais numerosas, seguidas por aquelas que se referem a tratamentos e notícias de dieta e nutrição. Antes de marcar consulta com um especialista, e também depois de ter recebido o diagnóstico, lá está o internauta imprimindo páginas e mais páginas sobre tudo o que leu e aprendeu a respeito de sua doença e suas possíveis terapias. Se isso é bom ou ruim? A experiência tem mostrado que aprender sobre a própria doença é uma forma de fazer as perguntas certas na hora certa e ajudar o médico a tomar decisões. "Um paciente bem informado só ajuda. Inclusive porque o médico se vê obrigado a manter-se atualizado sobre o que acontece nos grandes centros de saúde", diz o cardiologista Protásio Lemos da Luz, autor do livro Nem Só de Ciência Se Faz a Cura - O que os Pacientes Me Ensinaram.
O perigo está no fato de que existe um sem-número de dados errados sobre doenças circulando pela internet. A demanda por informações médicas levou a uma proliferação de sites - e vários deles, quando não estão equivocados, são imprecisos ou alarmistas. "Não raro, meias verdades podem ser piores do que qualquer mentira", diz o endocrinologista Geraldo Medeiros. Quem digita no buscador Google o termo "health information" (informação sobre saúde, em inglês, idioma em que a oferta de opções é maior) depara com dezenas de milhões de endereços eletrônicos. Boa parte desse universo é composta de muita bobagem. Para ajudar o leitor a não se perder nessa selva, VEJA preparou, com o auxílio de profissionais, uma lista de sites internacionais e nacionais em que se pode confiar.
Antes de se tornar um ramo da ciência, a medicina pertencia à esfera da magia. Nas sociedades primitivas, a cura das doenças era uma atribuição de feiticeiros e sacerdotes. Os séculos correram, a medicina desenvolveu-se, mas a aura de detentores de um conhecimento secreto continuou a envolver os doutores. É natural, portanto, que pacientes que desejam uma maior interlocução ainda causem certo desconforto. E esse desconforto, evidentemente, se transforma em total constrangimento quando um médico é pego de calças curtas - situação nada incomum hoje em dia. "Já tive de explicar a um fisiatra que a doença de minha filha não era miosite, como ele pensava, um quadro de inflamação muscular mais freqüente em idosos, e sim uma doença rara chamada fibrodisplasia ossificante progressiva", conta a psicóloga Odilia Neiva Spinola. "Ele, obviamente, não gostou e arriscou dizer que não era bem isso. No final, porém, teve de reconhecer que eu estava certa." Há cerca de três anos, a filha de Odilia - Amani, de 10 anos - começou a apresentar dificuldades para realizar certos movimentos, como esticar os braços. Alguns de seus músculos pareciam duros como ossos. Odilia ouviu vários diagnósticos, sem obter um dado preciso sobre a doença da filha. Insatisfeita com as informações dúbias, ela vasculhou a internet, entrou no site da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e acabou num fórum de discussões, em que descreveu o quadro de sua filha. Um mês depois, recebeu o telefonema de uma médica, oferecendo-lhe ajuda. Atualmente, Amani está sob tratamento. Mas sua mãe permanece esbarrando em profissionais que fazem cara feia todas as vezes em que ela desfia seus conhecimentos sobre o assunto. "Virei quase uma especialista", diz Odilia.