http://noticias.uol.com.br/saude/ultnot/efe/2004/08/02/ult2067u285.jhtm
Uma em cada cinqüenta pessoas tem ânimo instável e atua impulsivamente, duvidando de sua identidade e sofrendo explosões de violência contra ela mesma e contra os demais. Essas pessoas padecem de um transtorno que conduz ao desalento.
"Perdi o interesse por tudo, só queria acalmar um pouco o inferno que havia dentro de mim. Ontem sofri uma crise. A caminho da clínica, parei em frente a um bar e não consegui resistir ao impulso de entrar e beber uma cerveja depois da outra. Não pude controlar o desejo de escrever um poema em um guardanapo, nem ao de cortar meus pulsos com um garfo. Quero acabar com isto".
O testemunho é de uma jovem de pouco mais de trinta anos, que sofre com o Transtorno Limite da Personalidade (TLP), uma doença comum mas difícil de ser detectada, que se caracteriza pela instabilidade emocional.
José luta sem conseguir se controlar contra o abandono, seus ataques de ira, sua sensação de vazio interior e sua impetuosidade.
Suas relações, sentido de si mesmo e ânimo são muito instáveis. Seus impulsos de gastar, ter relações sexuais, abusar de substâncias e comidas ou dirigir de forma temerária são incontroláveis. Suas possibilidades de continuar estudando, ter um emprego ou estabelecer uma relação sentimental são poucas.
Problema freqüente
O TLP é o mais freqüente dos transtornos de personalidade: representa entre 30 e 60 por cento da população com transtornos de personalidade e atinge duas de cada cem pessoas.
Ante um TLP, muitos psiquiatras e psicólogos dizem que "o paciente é impossível", já que são vistos, e muitas vezes o são realmente, como manipuladores, pessoas que buscam a atenção, perturbam, não são mentalmente doentes, não têm capacidade para controlar suas condutas, recusam o tratamento e agridem a eles mesmos e aos demais que tenta ajudar.
O TLP tem como principal característica a intensidade e a variabilidade dos estados de ânimo. Essas pessoas tendem a experimentar longos períodos de abatimento e desilusão, interrompidos às vezes por breves episódios de irritabilidade, atos de autodestruição e cólera impulsiva. Estes estados de ânimo costumam ser imprevisíveis e parecem ser desencadeados menos por fatos externos do que por fatores internos.
Apesar de sua considerável freqüência, o TLP, é uma "doença difícil de se classificada, detectada e calculada", assinala o psiquiatra Vicente Rubio Larrosa, presidente da Sociedade Espanhola para o Estudo dos Transtornos da Personalidade, SEETP.
Segundo o doutor Larrosa, embora se conheça como TLP, muitos especialistas consideram que o nome Transtorno de Instabilidade Emocional da personalidade, descreve melhor esse mal.
Sua incidência é difícil de ser calculada e seu diagnóstico é complicado, por seu envolvimento com outros transtornos da personalidade e problemas psiquiátricos, e porque apresenta sintomas múltiplos e comuns a outras formas de desordem mental. Até que o TLP é diagnosticado, um paciente recebeu uma média de oito diagnósticos diferentes.
"Além disso -explica- devido a sua natureza complexa, a definição do que é uma personalidade normal e a quantidade de sintomas e condutas que inclui, é difícil de ser classificada".
Desordem da personalidade
Este transtorno consiste em uma instabilidade com relação à própria imagem, às relações interpessoais e ao estado de ânimo. Para alguns especialistas, o TLP é o modelo de todos os transtornos da personalidade: uma estrutura de comportamento que é a base das posteriores e diferentes desordens da personalidade, cada uma das quais é uma diferenciação do transtorno limite.
A origem deste transtorno está em uma conjunção de fatores biológicos, ambientais e de entorno pessoal, como os antecedentes familiares de problemas de personalidade, a hiperatividade na infância, os focos no cérebro que favorecem a irritabilidade, e uma educação consentidora e permissiva que não impôs normas nem limites às crianças.
A perda de valores, a falta de limites, a política do "tudo vale", a ausência de preparação para a frustração, a super proteção e a nula ou pouca comunicação na sociedade e na família favorecem o transtorno limite. Muitas crianças hiperativas ou com síndrome de déficit de atenção, quando mais velhos são diagnosticados com TLP.
O TLP, que surge na puberdade, é estável no tempo, e o paciente costuma melhorar ao chegar aos 35-40 anos, com mais lapsos sem sintomas e crise menos intensas e duradouras, o que parece indicar um amadurecimento da dolência.
Os afetados sofrem ou fazem sofrer aqueles que lhes rodeiam, sua vida costuma se deteriorar irremissivelmente. Eles podem fazer danos a eles mesmos ou a outros, podem ser pais contraproducentes para seus filhos ao mostrá-los modelos de conduta patológicos. Além disso, têm uma vida sexual e laboral insatisfatória.
No final, muitos afetados têm quadros depressivos, fruto da deterioração social, ambiental e afetiva acumulada, da ruptura ou da falta de redes sociais e da deterioração de suas relações, tendendo a se isolar e não resolver seus problemas.
Como identificar um "Borderline"
O TLP tem múltiplas manifestações clínicas e se caracteriza por uma notável predisposição para atuar de modo impulsivo, sem levar em consideração as conseqüências, junto com um ânimo instável e caprichoso", explica o psiquiatra Rubio Larrosa.
No doente "borderline" (termo inglês que significa fronteira ou limite) há uma notável alteração da identidade, que se manifesta pela incerteza ante temas vitais, como a orientação sexual e os objetivos a longo prazo, o que conduz o paciente a uma sensação de vazio e aborrecimento.
Segundo o doutor Rubio Larrosa, "esses pacientes podem apresentar manifestações explosivas e até mesmo violentas, ao receber críticas ou ao ter frustrações".
Além de sua instabilidade emocional e da ausência de controle sobre seus impulsos, esses indivíduos têm tendência à se autolesionar, a ter comportamentos ameaçantes e chantagistas, a ter uma imagem afetada de si mesmo e a sofrer alterações na conduta alimentar.
As pessoas que têm TLP envolvem-se em relações instáveis e intensas, em tentativas e ameaças de suicídio. Suas relações passam da idealização à desvalorização. Elas abusam com freqüência de substâncias psico-ativas e sofrem mudanças de humor freqüentes e rápidos", assinala.
Opções terapêuticas
Para o doutor Rubio Larrosa, o tratamento do TLP deve ser obrigatoriamente interdisciplinar. "As psicoterapias que ajudam ao controle dos impulsos, a se treinar em habilidades sociais para melhorar a relação interpersonal, que se centram no aqui e agora, são ferramentas chave para tratar este problema".
Além da intervenção familiar, necessária para que o doente evolua positivamente, e a incorporação a grupos de ajuda psicossocial e auto-ajuda, e grupos de terapia ocupacional, o TLP se trata com diversos remédios, que são aplicados de acordo com a sintomatologia que predomina, para atenuar os sintomas e facilitar o tratamento mediante a psicoterapia.
"As doses baixas de antipsicóticos atípicos, como a Risperidona, é interessante para tratar os episódios de psicoses", explica Rubio Larrosa.
Os tranqüilizantes são empregados nas crises ansiosas e, segundo o caso, devem ser usadas distintas famílias de antidepressivos: tricíclicos, fluoxetina, citalopram e IMAOS.
Segundo Rubio Larrosa, o tratamento deve se orientar a informar o paciente e a seu entorno para a que assuma sua doença, estabeleça objetivos alcançáveis a curto prazo, planeje uma duração do tratamento de 2 anos e um tratamento que tem que ser muito direto. A conduta dos pais, educadores, terapeutas deve ser a de marcar metas muito claras.
A porcentagem de casos que são curados, melhoram ou são controlados está em função da idade de início do tratamento, assinala Rubio Larrosa.