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28/05/2018 - O poder dos ultrajovens

A geração que vai romper (e já está rompendo) com tudo o que se quis e se imaginou

Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem, escreveu Carlos Drummond de Andrade no final dos anos 1960, em uma crônica que versava sobre o embate de um pai com a filhinha em torno de uma lasanha. Ele insistia, ela ignorava. Ele repetia, ela se mantinha firme em seu propósito. Ele tergiversava, ela o lembrava do que queria. Ela ganhou por coerência. Ele perdeu por não entender a dinâmica dos tempos. A premissa é mais atual do que nunca. A força do poder ultrajovem é inexorável.

De acordo com pesquisas recentes, se depender da geração que tem por volta dos 20 anos (a mesma idade de ÉPOCA), estão encrencados os hotéis, as lojas de departamentos, as cadeias de restaurantes, a indústria automobilística, o comércio de diamantes, a produção de guardanapos e de canudinhos, os programas de fidelidade de hotéis e de cartões de crédito, os jogos de azar, os bancos, a produção de amaciantes de roupa, o sonho da casa própria, a ideia de casamento estável, os acasos felizes, as viagens de cruzeiro, as emissoras de TV aberta, os políticos de ocasião, os planos de aposentadoria, Paris e até o milk-shake do Bobs.

Eles resolvem a vida (para o bem e para o mal) pelo celular, sorvem coisas de cor verde (comer virou questão de identidade), têm um pendor para medicamentos identificados com uma tarja preta, passam a noite em claro, não se sabe se estão trabalhando ou relaxando, gostam de empunhar bandeiras universais, mas se preocupam mesmo é com sua persona nas redes sociais, pensam igual a quase todo mundo da mesma geração, comportam-se como adolescentes apesar de terem idade de adultos, tecnologia lhes é tão intrínseco como respirar, ser de esquerda é do jogo, ter o nariz em pé é condição sine qua non, gostam de Insta Stories porque ele dura pouco, arriscam tudo por terem pouco a perder, rechaçam qualquer coisa que contenha plástico, gostam de viajar para lugares onde podem mostrar novidades no Instagram. Eles são o que são ou são o que querem parecer ser?

Eles se tornam personagens de suas próprias vidas, preocupados com narrativas, contextos, motivações. Estão sempre esperando pelo terceiro ato — que nunca chega, disse um estudo da Box1824, conduzido pelos pesquisadores Sean Monahan e Sophie Secaf nos Estados Unidos, sobre o que chamaram de GenExit, a geração que opta por experimentar novas possibilidades identitárias, mais livres e menos deterministas, mas não menos disruptivas.

Ainda que esteja cansado depois de um dia longo, o estudante de publicidade Luigi Dalmolin, de 21 anos, só vai para a cama após um banho quente. Por isso, entre uma ensaboada e outra, Dalmolin assiste a vídeos no YouTube ou responde a mensagens no WhatsApp. Graças a uma providencial capinha à prova dágua, ele faz parte de uma minoria — surgida recentemente — que toma banho com o telefone celular dentro do box. Estar com o celular nas mãos o tempo todo como faz Dalmolin, conectado, com os olhos vidrados e os dedos tocando a tela, é um dos principais comportamentos identificadores dos ultrajovens (ou geração Y). São as pessoas nascidas entre 1982 e 2000 (segundo o Census Bureau, agência governamental encarregada pelo censo nos Estados Unidos), ou entre 1981 e 1997 (segundo o instituto de pesquisa americano Pew Research Center). Os jovens apresentam características que os diferenciam das gerações anteriores e refletem mudanças relevantes no mundo.

A principal distinção dos ultrajovens é a necessidade de estar conectado o tempo todo. Smartphones são sua porta de acesso ao mundo; 43% dos jovens são como Dalmolin: não vão ao banheiro sem seus celulares. O aparelho é tão importante que 42% deles afirmam que deixariam de ir à academia se não pudessem levá-lo.

A fixação por smartphones atinge outras faixas etárias, mas, no caso dos ultrajovens, deu origem à era da distração. A fartura de dispositivos conectados à internet está reduzindo cada vez mais a capacidade de concentração. No início de maio, Carl Marci, neurocientista e médico especialista em questões ligadas ao consumo e ao comportamento, esteve no Brasil para apresentar o resultado de pesquisas neurológicas realizadas por sua empresa, um braço da gigante teuto-americana Nielsen.

Marci encara a tal distração como resultado da falta de tempo ocioso. Os nativos digitais não se enfadam, porque estão sob constante estímulo. Se estão na fila do mercado, não precisam esperar; é só sacar o celular e responder a uma mensagem ou dar uma conferida nas notificações das redes sociais e pronto: a fila andou rapidinho.

Pesquisas mostram que pessoas maduras prestam dez vezes mais atenção contínua do que os ultrajovens classificados como nativos digitais. A performance deles equivale à de uma criança de 3 anos e explica a era da distração
Essa constante alternância entre a vida real e as plataformas digitais gera um alto nível de emoção e engajamento. Quimicamente, esse fenômeno estimula a dopamina, o neurotransmissor do prazer — ou seja, os ultrajovens ficam literalmente felizes com essa interação toda. Marci chama isso de regulador de humor. Quando você cresce em um mundo com esses dispositivos, surge a possibilidade de calibrar suas emoções, disse a ÉPOCA. No entanto, há uma questão importante a ser observada: ao estar constantemente pegando e guardando o celular, você passa a não dar atenção completa a nenhuma das atividades que está fazendo. Prevalece a distração.

Em seus estudos, Marci comparou a capacidade de concentração de nativos digitais com a de imigrantes digitais, aquelas pessoas que já eram grandinhas quando a internet se popularizou, na segunda metade da década de 1990. O experimento foi feito pela observação de para onde os participantes olhavam durante a transmissão de um programa de TV: o celular ou a televisão. Os resultados mostraram que um imigrante digital troca a atenção 17 vezes — o que lhe garante uma média de atenção de cerca de três minutos. Já o nativo digital troca 27 vezes — uma queda de 30% no tempo em que consegue prestar atenção em algo (cerca de dois minutos). Levando em conta que ver televisão exige pouco esforço cognitivo, não parece ser um grande problema ter a atenção mais dispersa — até porque, segundo Marci, conforme vamos envelhecendo, a capacidade de concentração aumenta.

Porém, Marci encontrou um estudo parecido, feito com crianças de 3 anos, e a comparação dos resultados o alarmou. As crianças trocaram a atenção entre seus brinquedos e a televisão 33 vezes. Ou seja: os nativos digitais têm uma capacidade de concentração muito mais próxima à de uma criança do que à de um adulto. O que me preocupa, como médico, é que, se não falarmos sobre isso, as pessoas passarão a transferir esse comportamento para outras áreas de suas vidas, disse Marci.

Em 70 mil anos de existência, os cérebros humanos nunca tiveram tantos estímulos quanto os que hoje afetam os ultrajovens. Eles são cobaias da adaptação física e intelectual a novidades incessantes. Ao mesmo tempo que possuem facilidades que seriam impensáveis anos atrás — conectar-se com um sem-número de pessoas e informações mundo afora em segundos —, também encaram os primeiros sinais de alerta dessa exposição, traduzidos em altos níveis de ansiedade e depressão.

Em abril, Lucas Crispim, analista de marketing de 26 anos, desafiou a si mesmo a ficar 24 horas desconectado. Desinstalou o Facebook e o Instagram de seu celular para não ter a tentação de acompanhar o andamento de curtidas, visualizações e notificações. Não deu certo. Não consegui sequer chegar à marca de oito horas, disse. A ansiedade foi demais. Essa aflição é comum a muitos jovens. Pesquisas apontam que esta é a geração mais irrequieta que já existiu.

Nomophobia (do termo em inglês no-mobile-phone phobia, ou fobia de ficar sem celular, em tradução livre) foi o termo usado para caracterizar esse comportamento em estudo feito no Reino Unido, em 2013, pela empresa de marketing OnePoll. O levantamento mostrou que mais da metade dos usuários ficava ansiosa quando perdia o aparelho, quando ficava sem cobertura da rede ou quando a bateria acabava. Em pesquisa da empresa americana Coupofy, 20% dos usuários admitiram que seus celulares são a única razão pela qual não dormem o suficiente.

A ansiedade dos jovens se manifesta não só pela distância dos smartphones, como também pela proximidade: 58% dos entrevistados pela Coupofy acreditam que a ansiedade é o principal efeito colateral do comportamento compulsivo. Adolescentes que têm relações de quase dependência com celulares e com as mídias sociais experimentam níveis elevados de estresse, agressividade, depressão e distração, além de baixa autoestima e sono.

Sinto que tenho uma relação de amor e ódio com o celular. É bom estar com ele. Ao mesmo tempo, pode ser ainda melhor estar sem. Ainda assim, não largo dele, disse Luigi Dalmolin, com o celular na mão, óbvio, mas ao menos fora do chuveiro. Os jovens, como principais usuários do Instagram — 59% deles têm entre 18 e 29 anos —, são os que mais sofrem. A angústia de acompanhar a vida alheia nas redes sociais tem nome: FoMO. A sigla foi cunhada em 2004 por Patrick J. McGinnis em um artigo na revista The Harbus, da Harvard Business School, a partir do termo fear of missing out (ou medo de ficar de fora, em tradução livre).

Como designer, Victor Campos, de 24 anos, exerce uma atividade que exige persistência e repetição. Contudo, ele conta que ultimamente desiste de algumas atividades quando percebe que não conseguirá um resultado bom em um tempo curto. Quando desenha, por exemplo, se não consegue algo de qualidade logo na primeira investida, deixa de tentar. Sofro por não ter conseguido e paro, disse. Na esteira da ansiedade, surge também o perfeccionismo a assombrar os jovens. Comparados com as gerações anteriores, os estudantes universitários de hoje são mais duros consigo mesmos, mais exigentes com os outros e se sentem pressionados a atingir a perfeição.

Um estudo publicado na revista acadêmica Psychological Bulletinem janeiro deste ano examina respostas a um famoso teste sobre perfeccionismo, desenvolvido pelo psicólogo Randy O. Frost, chamado Escala Multidimensional da Perfeição. Dividida em seis dimensões, a escala leva em conta os níveis de preocupação por cometer erros, de rigorosa autocrítica e cobrança, de busca por excelência, de percepção de altas expectativas e crítica parentais, de dúvida sobre a qualidade das próprias ações e de preferência por ordem e organização. Foram analisados mais de 40 mil estudantes universitários, que participaram da pesquisa entre 1989 e 2016. Os resultados mostraram um aumento de 10% no perfeccionismo autodirecionado (voltado para si mesmo), de 33% no perfeccionismo socialmente prescrito (altos padrões ditados pelas expectativas dos outros) e de 16% com relação a terceiros (padrões perfeccionistas que são aplicados a outras pessoas).

De acordo com Thomas Curran, um dos autores do estudo, os dados sugerem as mídias sociais como um dos culpados. Os jovens relatam expectativas educacionais e profissionais cada vez mais irreais para si mesmos, afirmou. Como resultado, o perfeccionismo está aumentando entre eles. A comparação de cada um com o que se vê nas redes sociais se tornou o grande ladrão da alegria alheia.

Redes sociais oferecem parâmetros a essa geração. Não apenas os de autoavaliação, mas também de informação e diversão. A maior parte dos jovens lê notícias no Facebook, a mais presente das redes sociais. Em 2015, a agência americana Quartz informou que o Brasil lidera o ranking de consumo de notícias pelo Facebook, com 67% de sua população buscando informação prioritariamente nessa plataforma.

O especialista americano em comportamento do consumidor Morris Holbrook afirmou que, duas décadas atrás, pesquisadores de marketing passaram a prestar mais atenção nos aspectos hedônicos e nas experiências de consumo — conhecidos como fantasias, sentimentos e diversão (ou, em inglês, os três Fs: fantasy, feelings e fun). Pesquisas mais recentes ampliaram ainda mais essa visão e levaram ao reconhecimento dos quatro Es — experiência, entretenimento, exibicionismo e evangelização. Foi aí que surgiu a noção de marketing experiencial. Os indivíduos não apenas recebem experiências de modo multissensorial, mas também respondem e reagem a elas. Combine tudo isso à necessidade de não perder nada e cria-se um público sedento por participar e compartilhar — e essa parte é essencial. Segundo uma pesquisa do Instituto Ipsos americano, 75% dos jovens nos Estados Unidos valorizam as experiências acima de outros eventos e 48% deles participam de eventos para compartilhar nas redes sociais. Ao chegar a algum lugar diferente, só depois de tirar uma foto digna de ser postada eu aproveito, contou Gabriele Borges, de 20 anos, estudante de comércio exterior.

Menos bebidas, menos drogas, menos sexo, menos casamentos; mais remédios de tarja preta, mais comida vegetariana, mais viagens e mais consciência social. Ultrajovens remodelam comportamento
O empenho social se reflete nos aspectos profissionais da vida dos jovens. De acordo com um estudo de 2016 feito para a agência Lynx pela Bowler/Pimenta Pesquisa, 54% da geração Y acredita que as empresas devem se engajar e assumir bandeiras sociais e, para 82% desse público, as companhias têm poder transformador. Dos entrevistados, 43% são capazes de citar empresas engajadas em causas sociais e ambientais e dar exemplos dessas iniciativas.

A pesquisa Jovens e a geração nem-nem, realizada pelo Centro de Inteligência Padrão (CIP), em parceria com a empresa de pesquisa digital MindMiners, mostra que 66,4% dos jovens concordam que causas como criação ou manutenção dos direitos de minorias sociais, como dos LGBTs, negros e imigrantes, são importantes. Para eles, levantar bandeiras a respeito de problemas sociais e realizar ações para diminuir desigualdades pode colocar empresas em outro patamar. Não é à toa que 76,7% gostariam de trabalhar em uma empresa com políticas de inclusão social. Para aproveitar o potencial criativo dos jovens, os empregadores precisam oferecer um espaço que ao menos tente estar à altura de suas expectativas.

Eles preferem fazer compras on-line e apostar em marcas que prezam pela ecologia, criando peças de roupas descartáveis ou que não usem produtos de origem animal. Segundo um relatório de 2014 do grupo de pesquisas americano Brookings Institute, os jovens demonstraram maior confiança e lealdade — assim como maior propensão a comprar — a marcas que apoiam soluções para causas sociais específicas.

Isso vale também para comida. Para essa geração, a comida não é apenas comida, é comunidade. Em 2014, nos Estados Unidos, estimava-se que 12% dos jovens fossem vegetarianos fiéis, em comparação com 4% dos membros da geração X (os nascidos entre as décadas de 1960 e 1980) e 1% dos baby boomers (os nascidos logo após a Segunda Guerra Mundial). Uma pesquisa do Ibope indicou que 7% dos brasileiros entre 20 e 24 anos se declaram vegetarianos. O mercado vegano cresce 40% ao ano no país.

Conectados, engajados, vegetarianos, os ultrajovens diferem muito de seus predecessores. A parte da diversão que envolve a noite e as drogas tradicionais parece não interessá-los tanto assim. Na última década, 10 mil bares e casas noturnas fecharam nos Estados Unidos. Na Inglaterra, quase metade desapareceu. Em São Paulo, entre 2012 e 2015, a diminuição foi de 15%. Segundo a pesquisa americana Gen Y and housing (Geração Y e habitação), em 2010 pouco mais de 60% dos jovens frequentavam casas noturnas e, entre os que o faziam, apenas 25% iam mais de uma vez por mês.

Um estudo da Monitoring the Future, empresa que acompanha o comportamento dos jovens nos EUA, mostrou que o uso de drogas sintéticas e álcool por adolescente às vésperas da maioridade chegou a seu nível mais baixo desde que a pesquisa foi iniciada, em 1975. Apenas 40% dos estudantes declararam ter ingerido algum tipo de bebida alcoólica. De acordo com uma análise feita pelo DrugAbuse.com, uma linha telefônica de tratamento contra as drogas, os jovens americanos usam menos maconha e cocaína do que as gerações anteriores faziam na mesma idade. No entanto, à medida que as principais drogas de rua se tornaram menos populares, analgésicos e antidepressivos preencheram esse vácuo: na última década, o abuso de opiáceos disparou. O caminho para o vício geralmente começa com uma receita legal vinda do consultório médico.

O álcool não foi considerado no estudo americano. No Brasil, a bebida está presente entre mais de 40% dos jovens que vão para a balada em São Paulo — 18% no Brasil todo. E também não se levaram em consideração as drogas sintéticas. Houve um grande aumento no consumo de bebidas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando foi feito um novo investimento na economia noturna, com a abertura de bares para atrair mulheres jovens e a introdução de bebidas alcoólicas, disse Fiona Measham, professora da Durham University, na Inglaterra, em entrevista ao jornal The Telegraph. Ela estuda os padrões de mudança do uso de álcool e drogas em jovens há mais de 20 anos e argumenta que, embora a bebedeira e o consumo de drogas tenham aumentado desde os anos 1950, esses índices finalmente estão caindo. A geração anterior à geração Y frequentava muitos bares, bebendo compulsivamente e usando cocaína, disse. Agora não há aquela embriaguez frenética. Há uma nova sensação de sobriedade entre os jovens.

Fora das baladas e usando menos drogas, diminuiu também a prática de sexo. Em um de seus estudos, a psicóloga Jean Twenge, professora e pesquisadora da San Diego State University e autora do livro Generation me, descobriu que os jovens relatam ter menos parceiros sexuais que a geração X e os baby boomers em sua juventude. Um relatório de 2015 do Center for Disease Control and Prevention descobriu que menos pessoas de 15 a 19 anos relatam ter feito sexo se comparadas às gerações anteriores. O declínio é significativo nos dois gêneros, mas particularmente entre os homens. A diminuição também é mais considerável entre os jovens mais jovens. Tudo isso pode ou não estar conectado com o uso das drogas prescritas por médicos. É perceptível que os indicadores de depressão e ansiedade subiram muito nos últimos 50 anos. Segundo um estudo de 2009 de Twenge, mais jovens estão usando antidepressivos e estimulantes, como a Ritalina, que podem diminuir o desejo.

Em 2016, o estado de São Paulo registrou queda de 20% na emissão da primeira habilitação em um ano, segundo um balanço do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Especialistas creditam a redução a uma tendência mundial de desinteresse pelo automóvel por parte dos jovens. A venda dos veículos também caiu: na comparação entre o número de emplacamentos de veículos de 2015 em relação a 2014, a queda foi de 22%, incluindo carros, motos, caminhões e ônibus. Considerando apenas o segmento de automóveis, a queda foi de 27% nos emplacamentos, segundo a Fenabrave. É claro que a crise econômica que abate o Brasil desde 2013 é a maior responsável pela diminuição das vendas. Mas há uma percepção de que os mais jovens já não se deixam fascinar tanto por meios de transporte individuais movidos a gasolina como os jovens desde a década de 1950. Essa mudança começa pelas classes A e B, com maior acesso a táxis ou serviços como Uber. Nas classes mais baixas, ter uma carta de habilitação e um carro ainda é sinônimo de liberdade para ir e vir e, portanto, um desejo a ser realizado.

Aos 24 anos, prestes a quitar seu primeiro carro, Jaine Mori decidiu vendê-lo. Ela comprou o carro porque seu emprego, na época, demandava que se locomovesse muito. Porém, ao trocar de empresa, a necessidade diminuiu. Ela também aproveitou para se mudar para mais perto do local de trabalho. De repente, o carro pareceu obsoleto. Eu me mudei para mais perto do metrô e do transporte público em geral. Ficou bem mais fácil me locomover na cidade, contou. Como o carro é um bem que desvaloriza muito e, segundo Mori, só dá gasto, ela achou que valeria mais a pena vendê-lo do que arcar com o preço da gasolina, do seguro e das revisões. Detalhe: ela pretende vender o automóvel com a ajuda de um aplicativo especializado em cotação, vistoria e contato com clientes. É muito mais prático, disse.

O carro não é o único costume ligado à ideia tradicional de construção de patrimônio que os jovens estão abandonando. A opções de habitação também vêm mudando. De acordo com um estudo publicado pela Zap Imóveis em 2015, os ultrajovens tinham 40% a mais de interesse em viver de aluguel do que pessoas nascidas em outras gerações. Um levantamento feito no Uruguai mostrou o mesmo movimento: oito em cada dez jovens (com idade entre 18 e 34 anos) estão interessados em alugar, enquanto apenas 20% buscam imóveis à venda.

Como o valor gasto com moradia costuma representar a maior despesa do orçamento doméstico, a melhor opção muitas vezes é arranjar alguém para dividir as contas. O costumeiro era casar-se, mas muitos jovens preferem morar com amigos a juntar escovas de dentes com seus parceiros. Segundo o IBGE, os jovens brasileiros de até 25 anos estão casando menos ou mais tarde. Em 2016, homens de 15 a 24 anos marcaram as menores taxas de nupcialidade dos 40 anos de amostra da pesquisa. No grupo de 20 a 24 anos (tradicionalmente o com maiores índices de casórios), os noivos marcaram 23,7 matrimônios para cada 1.000 habitantes — número bem inferior aos 70,5 de 1974. Há dez anos, o índice era de 25,9.

Ninguém está dizendo que nos próximos anos os jovens deixarão de casar, morar juntos e ter carros. O que esses indicadores mostram é que hábitos como matrimônio, moradia e carros estão perdendo a importância que tiveram na economia nos últimos dez, 20 anos ou mais. O publicitário Marcos Oliveira, de 26 anos, não quer acumular patrimônio. Não quero investir dinheiro em um apartamento ou em um carro. Para me locomover, posso usar transporte público ou o particular compartilhado. Se eu comprar um flat para morar hoje e casar em alguns anos, não haverá como morar ali, pois não terá espaço. Não sei o que farei em cinco anos, disse. Para ele, a vida moderna não é tão rígida quanto antigamente. Por isso, não vale a pena enfrentar a burocracia necessária para possuir bens físicos. É trabalho demais. Diferente de meus pais, que viam como uma necessidade ter uma casa e um carro para acomodar a família.

Se no século XX a maior indústria reinante era a do automóvel, hoje é a Apple. E, para além de eletrônicos, a geração Y está trocando bens materiais por viagens. Uma pesquisa de 2016 organizada pela empresa de aluguel de habitações Airbnb na China, na Inglaterra e nos EUA apontou que, ao pensar nos próximos cinco anos, os jovens consideram mais importante viajar antes de tudo. Para 70% deles, o ato de viajar está ligado diretamente a suas personalidades e a quem eles são como pessoas. No ano passado, um levantamento do Ministério do Turismo apontou que 28,4% das pessoas entrevistadas com idade até 35 anos faziam planos de viagem, um crescimento de quase 10% se comparado com o mesmo período do ano anterior.

Ao priorizar viagens e diminuir a compra de carros e apartamentos, os jovens, que representam cerca de 20% da população mundial, trazem grandes implicações para o formato futuro da economia — e para a velocidade da recuperação da crise. E o mais interessante ainda está por vir: as gerações que chegam a partir dos anos 2000, como a geração Z, partirão das experiências da geração Y para moldar seus costumes. A ver.



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