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Ato Médico como Ato Político. - 03/07/2015

Este final de século e milênio tem sido caracterizado pela prodigalidade no avanço do conhecimento e, paradoxalmente, pelo surgimento de situações conflituosas em diversos campos da atividade humana, como na prática médica, que se viu conturbada pela crescente incorporação tecnológica com repercussões negativas sobre o humanismo hipocrático.
Algumas dessas situações conflitantes podem ser exemplificadas, como a compartimentalização do saber médico em detrimento a atenção integral à saúde do paciente e da população ou, ainda, na submissão da arte médica ao determinismo científico, o que tem propiciado um movimento oposto e radical, com a disseminação de "medicinas alternativas", na tentativa de redimir a humanidade dos males que a ortodoxa medicina ocidental não conseguiu, até hoje, banir.
A medicina e a figura do médico sempre estiveram associadas a um simbolismo quase sobrenatural de salvação do paciente e até o presente observa-se que ainda prevalece uma certa aura mística em torno do médico.
As transformações sociais, experimentadas neste século, definiram novos padrões de comportamento na relação médico-paciente influenciados, principalmente, por uma progressiva consciência da população sobre os seus direitos, trazendo para esta relação mais participação e democracia.
Sucede, então, uma progressiva, porém vigorosa, transformação da velha moral paternalista, deontológica e profissional, em direção a uma nova postura ética autonomista, democrática e social.
Relacionar-se harmoniosamente com o paciente deixou de ser uma concessão do profissional da medicina para se tornar uma imposição dos novos tempos. A qualidade dessa relação é que vai modular o diferencial no atendimento, construindo o conceito do médico junto à sociedade.
Ser bom clínico significa possuir qualidades inatas de relacionamento humano, capazes de promover a interação da técnica profissional com a esperança do paciente, na procura de soluções para o seu problema de saúde.
Num mundo automatizado, interligado por uma profusão de controles eletrônicos que interferem na maioria das atividades humanas, o médico jamais poderá olvidar de um dos pilares que sustentam a sua profissão, qual seja, a atenção ao paciente.
Daí que a maioria das queixas de pacientes contra médicos – que vem se avolumando progressivamente nos últimos anos, a ponto de freqüentar, com habitualidade o noticiário - se refere a distúrbios na relação médico-paciente. Estas queixas chegam diariamente aos Conselhos de Medicina, muitas vezes sob a forma de erro médico.
As reclamações que mais se destacam no atendimento médico são a pouca ou indevida atenção ao paciente durante a consulta, a espera prolongada para o atendimento e o exagerado interesse financeiro manifestado por alguns profissionais.
Não bastam, pois, o conhecimento e a habilidade técnica. É necessário que o médico demonstre sempre estar interessado nas pessoas, promovendo, além de empatia e respeito, capacidade para ouvir, argúcia no observar, consciência de suas limitações e autocrítica.
Por outro lado, a saúde não é uma questão de exclusiva responsabilidade médica, mas de toda a sociedade e esta tem-se organizado no sentido de exigir mais e melhores condições de atenção à saúde, cobrando os benefícios que a ciência médica colocou à disposição apenas de uma fatia minoritária da população.
A realidade está a demonstrar que a doença, como sintoma de uma sociedade, apresenta-se com novas características e repercussões. O exemplo é que, enquanto no começo do século, a doença e a morte eram aceitas como fatalidade, hoje isto é contestado, principalmente quando o desenlace fatal ocorre numa idade que se julga não adequada para morrer.
Nesses novos tempos de cidadania o médico tem sido acusado de cumplicidade com a inépcia e a corrupção de que tem sido vítima a saúde pública brasileira.
O profissional da medicina vem recebendo da mídia e de setores oficiais, tratamento desprestigioso e deturpado, impingindo-lhe a pecha de vilão do mau atendimento à saúde quando, na realidade, o médico junto com o paciente são os componentes mais frágeis de um sistema de saúde que remunera mal, obrigando-o a abraçar, em média, três empregos para sobreviver.
A isso, deve o médico responder politicamente, posicionando-se firmemente na defesa de seus direitos e da dignidade profissional, denunciando as iniqüidades sociais que impedem ou dificultam o acesso da população aos benefícios da medicina e conseqüente melhoria da qualidade de vida.
O médico, não pode, entretanto, abrir mão de princípios milenares que o estimulam a continuar buscando uma medicina calcada na beneficência, na não-maleficência, na justiça, entendida como equidade social e na autonomia do paciente. Deve sim, buscar uma relação médico-paciente ideal baseada na transparência, lealdade e confiança mútua.
Para isso, é importante esclarecer o paciente sobre a natureza contratual da prestação de serviços médicos, onde cabe ao profissional a obrigação de ofertar os meios ao seu alcance e, ao contratante, a responsabilidade do tratamento e dos honorários, pagos por ele ou pelo conjunto da sociedade, através do Estado.
Destarte, o exercício da medicina continuará sendo sempre um ato permanente de amor ao próximo e de autoconhecimento, tendo como sujeito o homem e a sua humanidade.

José Geraldo de Freitas DRUMOND

Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes
Montes Claros, 25 de novembro de 1999.



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